Cheguei ao Baby Bush Lodge a meio de uma tarde de domingo. Contrariamente à entrada de todos os outros hotéis de luxo, cujos grandes portões se viam junto à estrada de alcatrão que o táxi percorreu, o acesso a este meu humilde alojamento fez-se descendo um estreito caminho de cabras ladeado por casas pobres, algumas sem portas, janelas ou telhados: apenas quatro paredes erguidas e deixadas no reboco. O carro parou junto a um pequeno portão branco rodeado de entulho. Isamíli, um dos empregados, veio imediatamente ter connosco e trouxe consigo um sorriso amplo, honesto que foi uma das muitas alegrias dos dias serenos que ali passei. Pegou na bagagem, abriu o portão e segui-o por uma tosca escadaria de madeira e corda que conduzia à receção mais simples e despojada onde alguma vez estive. Por cima das nossas cabeças apenas um amplo telhado de folhas de palmeira que cobria também a contígua esplanada do restaurante e o grande lounge repleto de vastos sofás. Ali não há qualquer muro, qualquer janela, qualquer porta. Dali, daquele estrado de madeira elevado sobre estacas, só se vê uma frente de palmeiras imperiais. E depois delas, o areal mais branco e o mar mais belo.
Neste pequeníssimo hotel sui generis plantado nas margens do Índico não há casais europeus em lua de mel. Na hora da verdade, são poucos os que aceitam "o amor e uma cabana", ainda que no paraíso. Porque ficava numa cabana o tosco quarto que me coube: a casa de banho sem porta; o chuveiro que pendia da parede sem que houvesse uma banheira ou um prato de duche; a água, que embora quente, era salobra e mal me retirava o sal da pele e do cabelo depois da praia; a cama, de colchão finíssimo e lençóis que não abri, tendo preferido dormir no meu saco-cama de cetim; o mosquiteiro que cheirava a maresia; a humidade que se entranhava em tudo ao anoitecer porque nada naquela divisão era estanque; o varandim com duas cadeiras rudimentares feitas de pele de cabra e a mesa de apoio acabada de pintar que empestava tudo com cheiro a tinta. Era assim a minha cabana erguida pelas mãos de um punhado de homens da Zanzibar — absolutamente genuína.
Em Kiwengwa, apesar do muito que podemos fazer para nos entretermos, o tempo passa devagar, como julgo ser apanágio de qualquer paraíso na terra. Caminhar na praia infinita e maravilhar-me a cada passo com a textura finíssima da areia — cuja brancura, qual farinha, fere os olhos sob a luz do sol — foi das minhas atividades preferidas. Assim como a ida de canoa até aos corais onde observei a arte de apanhar os pequenos polvos que comi nessa mesma noite ao jantar. Ou ainda, a viagem de barco que me levou para longe da costa e onde, num mergulho, descobri a vida multicolor que há sob as águas do mar. E também a visita à aldeia de pescadores que esculpem dhows do tronco de uma única árvore.
Para a Fabienne e a Michelle, a estadia de quinze dias em Kiwengwa serviu, ainda, para ler. Estas duas suíças, enfermeiras de profissão, chegaram ao Baby Bush Lodge um dia depois de mim, vindas de Moçambique. Tinham tirado três meses de férias para uma viagem que começou na África do Sul e que terminaria ali, em Zanzibar, onde passariam os últimos trinta dias. Naturalmente, passámos algum tempo à conversa sobre as nossas experiências enquanto "mochileiras" e cheguei a emprestar-lhes o meu computador para que acedessem à internet. Os seus iPhones tinham-lhes sido furtados logo no início da viagem, quando dormiram num hostel na Cidade do Cabo... Fabienne (à esquerda, na foto) contou-me que lê bastante, mas que é nas férias que aproveita ainda mais os livros. "Das Rache Spiel" — algo como "O Jogo da Vingança", um thriller sobre um grupo de quatro homens que se reencontram trinta anos depois de terem cometido um crime — era o quarto livro que lia nos dois meses que a viagem já levava. Michelle, por seu turno, admitiu que só mesmo nas férias é que lê e estava entretida com "Flieh, Wenn du Kannst" ("See Jane Run", no original em inglês), um romance sobre as relações e intrigas familiares.
Voltei ao meu quarto apenas para pousar a câmara e dirigi-me, depois, para a praia. O sol começava a pôr-se na nossas costas e levantou-se um vento forte que fazia inclinar as palmeiras e ondular as túnicas de xadrez vermelho e preto dos Massai que trabalham nas lojinhas montadas no topo do areal. Da aldeia vêm crianças brincar comigo. Riem às gargalhadas e mostram as fileiras de dentes desalinhados. O mar encrespou-se e ouço um ligeiro rebentar de ondas. Penso no jantar que me espera, provavelmente uma lagosta envolta num molho de caril aveludado. Ou uma salada de polvo tenro. Vai para quatro meses que não pego num livro e estou em paz com isso. Porque a leitura que eu mais queria fazer era esta: perder-me no mundo onde vivo e que é tão belo que chega a doer.
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