sábado, 16 de maio de 2015

São Tomé e Príncipe — Kilza na Roça S. João


Numa das piores fases da minha vida — a que me confinou à cama de um hospital durante seis meses — os meus dias foram em parte alegrados pela presença de João Carlos Silva e do seu programa "Na Roça com os Tachos", na altura emitido pela RTP2. O "Sr. S. Tomé", como eu gosto de lhe chamar, tinha o mérito de me fazer rir, sonhar com as ilhas do meio do mundo e, até, de me abrir o apetite (coisa rara naqueles dias...). E a sua influência foi tal que até hoje, passados mais de dez anos, os seus petiscos ainda se comem na casa dos meus pais: a receita de camarão com banana tem vindo a ser reinterpretada pelo meu pai e o bolo de chocolate é a sobremesa com que a minha mãe adoça as reuniões de família. 

Mas João Carlos Silva, que se diz "cozinhador", é muito mais do que o homem que dá a cara pela gastronomia são-tomense. É também uma figura proeminente noutras vertentes do panorama cultural do país, já que se desmultiplica em projetos para valorização e promoção das artes, das letras e da história: fundou a Teia de Artes, uma escola onde se formam novos artistas; fundou a CACAU — Casa das Artes, Criação, Ambiente e Utopias, que tem como missão promover mudanças culturais e de mentalidades essenciais ao progresso do país; é um dos fundadores da Associação Roçamundo, que apoia o desenvolvimento educativo, cultural, económico, social e ambiental de S. Tomé e Príncipe; é presidente da Bienal de Arte e Cultura de S. Tomé e Príncipe e é proprietário e administrador da belíssima pousada que funciona na Roça S. João, em Angolares. Aí, no edifício que era, nos tempos da colónia, o centro administrativo da roça, gastronomia, cultura e ecologia fundem-se numa experiência que dizem ser única. Eu, confinada ao meu orçamento de viajante low cost, limitei-me a visitar o edifício e a saborear um delicioso café de S. Tomé enquanto regalava os olhos com a vista soberba que se tem da ampla esplanada. 

Ao chegar a S. Tomé, uma das minhas expectativas era ter a sorte de me cruzar com João Carlos Silva. Nele vejo uma lufada de ar fresco, esperança no futuro e um caminho de progresso. Se o tivesse encontrado, estou segura de que teríamos pelo menos falado longa e apaixonadamente sobre livros, porque o sei um entusiasta da literatura, nomeadamente da poesia. Mas aconteceu-me visitar o seu país numa altura em que se tinha ausentado. Ainda assim, no que a livros diz respeito, a ida à Roça S. João foi proveitosa porque colocou a Kilza no meu caminho. Esta professora de português estava a acompanhar um primo de férias em S. Tomé e antes de partir da roça para outro ponto turístico, aproveitou para ler um pouco no carro. "Adoro ler", disse-me. "Leio desde pequena e para onde vou os livros vão comigo. Os romances são os meus livros preferidos. Este, comprei-o porque o título me chamou a atenção e quis saber como era a história". O livro era "A Demanda d'Ewilan — As Fronteiras do Gelo".

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