terça-feira, 15 de maio de 2012

Falar de Agustina junto ao Douro


A serenidade da Alexandra e do Jorge contrastava com o bulício dos turistas e dos vendedores ambulantes que agitavam a Ribeira do Porto. Sentados num banco de frente para o Douro, pareceram-me alheios à confusão, como se estivessem a sós com o sol, o rio e o livro que o Jorge tinha pousado no colo. Quando me disse que se tratava de "Antes do Degelo", um romance de Agustina Bessa-Luís, senti que tudo se conjugava de forma harmoniosa. Afinal, que melhor local haveria para se falar de Agustina senão precisamente aquele, junto ao rio que marcou profundamente a sua vida e a sua obra?

Para o Jorge, Agustina Bessa-Luís é provavelmente a melhor escritora portuguesa viva, e uma das melhores escritoras portuguesas do século XX. No seu entender, não existe nenhum outro autor com a sua grandeza na prosa, que recorre a expressões de um certo português já desaparecido. Elogia-lhe a frontalidade, a atitude politicamente incorreta, a avaliação sarcástica e impiedosa que faz das pessoas, independentemente do estrato social a que pertencem. E sublinha, precisamente, essa forma muito democrática de olhar o mundo. 

Admiti que de Agustina li apenas um livro, que me foi oferecido por uma amiga nos profundos anos noventa. Julgo que não tive, na época, arcaboiço para digerir as "Memórias Laurentinas", que me deixaram um sabor amargo. Retive, sobretudo, a acidez para com as mulheres e lembro-me de ter comentado com alguém que me incomodava aquela escrita masculina... Conversar com a Alexandra e com o Jorge fez-me reconsiderar tudo isto e concluir que terei de regressar à prosa de Agustina Bessa-Luís. Espero que o que vivi e aprendi entretanto me permita entender que, tal como o Jorge afirmou, a Agustina "é uma mulher que está para além do género".

1 comentário:

Vespinha disse...

Agustina também não está nas minhas eleitas, mas acho que é daquelas figuras com que não simpatizo e em que não consigo separar as águas...