Convenci-me que não há um único canto do mundo que não tenha sido
tocado pela diáspora chinesa quando, o ano passado, vi na cidade de S. Tomé um taberneiro
chinês a falar crioulo e a vender vinho da palma aos clientes são-tomenses.
Ficou-me profundamente gravada na memória aquela imagem, ao passar pela porta
do lugar mal iluminado, cheio de homens, e ainda trago nos ouvidos a
algaraviada que de lá brotava: falava-se alto, ria-se e o chinês, atrás do
balcão, estava completamente integrado naquele quadro tropical e, a meu ver,
surreal. Juro-vos que isto foi, para mim, o cúmulo, a prova dos nove, a total
rendição — há chineses em todo o lado, ponto final!
Aqui no Mindelo, em Cabo Verde, não é preciso ficar-se muito tempo
para se constatar que além de existir uma grande comunidade, os chineses
tomaram nas suas mãos a quase totalidade do comércio: tudo se pode comprar nas
muitas lojas de chineses que aqui existem. Dir-se-ia um monopólio. Só no
trajecto que faço entre o lugar onde moro e o trabalho — pouco mais de cinco minutos
a pé — conto oito! E esta comunidade, à semelhança da impressão que me deixou a cena de S. Tomé, parece-me muito
mais integrada do que a que vive e trabalha em Portugal: não é fora do comum
vê-los em horas de expediente a tomar um sumo natural num café ou a lanchar
demoradamente nas pastelarias, a chinelar pelas ruas já com um certo gingar
africano, as mulheres chinesas a caminhar de braço dado às amas cabo-verdianas
que lhes carregam os filhos pequenos.
Andava já eu muito atenta a tudo isto quando o Luís veio
hospedar-se na Casa Café Mindelo e o surpreendi na recepção do hotel a ler “1421 – O Ano em que a China Descobriu o Mundo”. Contou-me o Luís que o autor da obra,
Gavin Menzies, é um oficial da marinha britânica que depois de reformado se
dedicou ao estudo da história marítima da China — estudo que o levou,
inclusive, a fazer investigação na Torre do Tombo, em Lisboa — tendo concluído
que os chineses, entre 1421 e 1423, na recta final da dinastia Ming, não só
chegaram à América muito antes de Cristóvão Colombo, como também
circum-navegaram o globo antes de Fernão de Magalhães. Até que o enorme país se
fechou sobre si próprio e um dos imperadores ordenou a destruição de todas as
provas dos grandes feitos da armada chinesa. Por incrível que pareça, uma das provas que serve de base à teoria
de Gavin Menzies está aqui, em Cabo-Verde, mais precisamente em Santo Antão. Há
nesta ilha, aquela que eu vejo todos os dias aqui do Mindelo, um lugar chamado
Penedo de Janela onde uma pedra, a que chamam Pedra Escrivida, exibe caracteres de uma língua indo-chinesa, supostamente gravados por navegantes chineses. Mas
os mistérios em torno da pedra são muitos e outras explicações sugerem que os
caracteres poderão ser de origem germânica, escandinava, berbere ou até
portuguesa. Obviamente, coloquei Penedo de Janela na minha lista de lugares a
visitar assim que tiver a oportunidade de voltar a Santo Antão. Mas é bom que se diga que, embora empolgante, a teoria de Gavin Menzies não está isenta de polémica: uma pesquisa rápida na net revela que foram vários os historiadores que a rejeitaram, apontando a total falta de metodologia e rigor científico, e apelidaram o seu autor de pseudo-historiador...
Acerca dos seus hábitos de leitura, o Luís admitiu ser sobretudo um consumidor de livros de História e Literatura de Viagem, mas os livros que apontou como mais marcantes fogem um pouco a estas categorias: "O Princípio de Peter", "O Triunfo dos Porcos" e o colossal "Memórias de Adriano".
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