Li apenas três livros de José Eduardo Agualusa. Não sou, portanto, grande conhecedora da sua obra. Mas pude perceber que as viagens são fundamentais para a sua escrita e agradou-me que a conversa do último Porto de Encontro tivesse começado precisamente por aí, pelo gosto de viajar que Agualusa alimenta desde a adolescência. Este gosto, que também eu nutro, é hoje coisa muito comum, porém dá-me prazer imaginar que é assunto só nosso. Inspiro-me nessa fantasia e escrevo.
O meu primeiro Agualusa foi “Um Estranho em Goa”, numa edição de bolso pela Biblioteca Editores Independentes. Comprei-o uns meses antes de aterrar em Pangim e transformei-o num romance-guia que fui sublinhando, num esforço para destrinçar ficção de realidade e traçar um itinerário. Folheio-o agora, revejo os meus apontamentos — ”preços inacreditavelmente baratos”, “encantadores de serpentes”, “King Fisher”, “Margão”, “Ilha de Divar”, “bebinca”, “Candolim”, “a maneira indiana de dizer sim”, “Velha Goa”, "São Francisco Xavier”, “Forte de Aguada” e “Anjuna” (onde comprei um anel de prata e pedra azul que nunca mais tirei do dedo) — e dou de caras com Plácido Domingo, personagem que reencontrei há pouco tempo em “Milagrário Pessoal”, livro onde se procura a origem de misteriosos neologismos, num périplo que atravessa vários países de língua portuguesa e que eu gostaria de replicar um dia, mas para "caçar" leitores. É o meu romance-premonição. E depois houve também "Teoria Geral do Esquecimento", que tanto me emocionou e que me obrigou a uma viagem bem mais prosaica: a da descoberta do Kindle. Foi o meu primeiro romance-digital.
Angolano a viver entre Portugal e o Brasil há vários anos, Agualusa veio à Invicta para conversar sobre o seu percurso literário e apresentar o seu último romance — "A Vida no Céu", um livro que se inspira nas luminosas paisagens de nuvens que vê das janelas dos aviões e cujo título lhe surgiu num sonho. "Sonhar faz parte do meu ofício. Sonho o tempo todo. Sonho com o início dos romances e resolvo os romances quando sonho. Sonho, portanto, por razões práticas", disse sorrindo. Autor "caixeiro-viajante" (palavras suas), capaz de escrever em qualquer lugar (cidades várias, aeroportos, aviões), diz que fazê-lo é “expor-se de forma honesta, inteira e com coragem" e afirma que os livros que escreve são os que tem mais medo de escrever. Foi precisamente o que aconteceu com "A Vida no Céu", que se transformou na “possibilidade de fazer algo que nunca tinha feito e que tinha um certo receio de fazer: escrever para um público mais jovem com o objetivo de atrair e formar novos leitores”. Será o meu quarto romance de Agualusa. Um romance-futuro.
***
I
read only three books by José Eduardo Agualusa. So, I'm not a
good connoisseur of his work. But I could see that travels are fundamental
for his writing and I was pleased that the talk of the last "Porto de
Encontro" started with that subject, with the pleasure of travelling that
Agualusa nourishes since he was a teenager. This pleasure, that I also have, is
very common nowadays, but it gives me great satisfaction to imagine that this
matter is just our own. I inspire myself in that fantasy and I write.
My
first Agualusa was “Um Estranho em Goa”, in a pocket size edition from Biblioteca
Editores Independentes. I bought it a few months before landing in Pangin and I
turned it into a guide-novel which words I underlined in a effort to
distinguish fiction from reality and draw an itinerary. Now I flip through
it, I revise my notes - "unbelievably cheap prices", "snake
charmers", "King Fisher", "Margão", "Divar
Island", "bebinca", "Candolim", "the indian way
to say yes", "Old Goa", "São Francisco Xavier",
"Aguada Fort" and "Anjuna" (where I bought a silver ring
with a blue stone that has been in my finger since then) - and I come across
with Placido Domingo, character I met once again in “Milagrário Pessoal”, a
book where the origin of mysterious Portuguese neologisms are investigated, in
a periplus that goes across several countries of Portuguese language and that I
would like to duplicate one day, but to “hunt” readers. It is my
premonition-novel. And then there also was "Teoria Geral do Esquecimento" that moved me so much and forced me to a more prosaic
journey: the discovery of kindle. It was my first digital-novel.
Born
in Angola and living between Portugal and Brazil for several years now,
Agualusa came to Porto to talk about his literary path and present his latest
novel – “A Vida no Céu”, a book inspired in the luminous landscapes of clouds
he sees from the airplanes windows and which title came to him in a dream.
"Dreaming is part of my trade. I dream all the time. I dream with the
beginning of novels and I solve novels when I dream. So, I dream for practical
reasons", he said smiling. “Author-travelling-salesman" (his own
words), capable of writing anywhere (multiple cities, airports, planes), he
says that doing it is to expose himself in a honest way, with all of him and
with bravery, and he states that the books he writes are the ones he is more afraid
to write. That was exactly what happened with "A Vida no Céu", that
turned in to the possibility of doing something he hadn't done before and he
had a certain fear of doing: writing for a younger public with the purpose of attracting
and forming new readers. This will be my fourth novel of Agualusa. A
future-novel.
Translated by Marisa Silva
1 comentário:
Muito bom. :) Um grande beijinho.
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